Católicas acusam hierarquia da Igreja de estar contra aborto por "desejo de manter o poder"
Nuno Sá Lourenço
Papas criticados por desencorajarem discussão teológica sobre o assunto
O Parlamento foi ontem palco de um momento diferente. A propósito de um colóquio sobre direitos humanos, o grupo parlamentar português sobre população e desenvolvimento convidou para discursar duas católicas declaradamente a favor do "sim" à despenalização do aborto e que não pouparam nas palavras para criticar a hierarquia da Igreja.
As críticas mais frontais vieram da norte-americana Frances Kissiling, presidente dos Católicos pela Livre Escolha (CFFC), tendo esta activista sustentado que a resistência da Igreja à despenalização do aborto e aos métodos contraceptivos tinha que ver, acima de tudo, com "o desejo de manter o poder".
"Encontra-se uma paixão nos bispos contra o aborto que não se encontra sobre mais nenhuma questão", começou por dizer Kissiling. Segundo a norte-americana, uma mudança na posição da Igreja sobre estas duas matérias representaria o fim das duas regras "para ter poder na Igreja": "Tem de ser homem e tem de dizer que não pratica sexo." Ora a aceitação da contracepção e do aborto significaria reconhecer que "qualquer pessoa teria possibilidade de estar perto de Deus".
A posição da Igreja, sustentou, só se justifica com "algo de profundamente sexista". A activista deu como exemplo a forma como a Igreja encara a guerra. "A Igreja admite que pode ser justo tirar a vida de uma pessoas numa guerra, admite que se pode tirar a vida de uma pessoa em legítima defesa, mas uma mulher não se pode defender de uma gravidez perigosa", criticou.
Também Ana Vicente, investigadora e membro do movimento leigo Nós Somos Igreja, questionou o papel da religião no desenvolvimento das sociedades. "As religiões servem de obstáculo ao desenvolvimento e ao empoderamento das mulheres."
Frances Kissiling acusou ainda directamente o anterior e o actual Papa. "Os teólogos deixaram de discutir [quando começa a vida] e isso teve que ver com o Papa João Paulo II e de Ratzinger, quando estava à frente da Congregação da Fé. Desencorajaram qualquer forma de discussão teológica."A norte-americana explicou ainda "como é que uma católica pode acreditar que o aborto não é crime". Lembrou que a infalibilidade papal não se aplicava à questão do aborto, assinalou que a Igreja não tinha um posição oficial e definida sobre quando um feto se transforma em pessoa, e invocou a regra existente que define que "onde há dúvidas deve haver liberdade".
A deputada Ana Manso, do PSD, assumiu também a defesa da despenalização, destacando a importância dos depoimentos escutados. "É importante que se diga que milhões de católicos questionam as posições da hierarquia católica e que milhões de católicas interromperam já uma gravidez." Assumindo-se como católica fez questão de garantir que tal não a impedia de apoiar o "sim" no referendo: "A minha fé ensina-me que é possível ir ao encontro de políticas como a contracepção ou a interrupção voluntária da gravidez. Porque salvam milhões de vidas."
in Público 29-11-2006
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quinta-feira, novembro 30, 2006
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1 comentário:
Desconfio que há pessoas que se afirmam católicas, só para que as suas críticas serem mais "válidas". Até porque no que dizem mostram que não percebem nada do que a Igreja diz...
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